Aproveitando que o sol está em Áries e eu, regida por esse signo, aproveito para falar de minha mais nova obsessão: Rachel de Queiroz. Sim, ela mesma, esse medalhão rochoso da Literatura Brasileira que teimam em classificar de literatura regional. Como se o Nordeste não fosse Brasil ou como se os nossos dramas (tão humanos!) tivessem fronteiras geográficas. O mapa é imaginário, um tracejado convencionado para que a gente se sinta menos perdido ao se especificar pertencente a um batizado pedaço de chão. Com isso não nego nem renego as especifidades que cercam o “ser nordestino”, mas quero dizer que esse ser é também universal e traz consigo uma brasilidade absurda.
Bom, nunca tinha lido nada da Rachel e, para ser sincera, estava até fora da minha lista de pretensões. Criei uma antipatia pela escritora devido a um artigo que li há tempos e falava do controverso envolvimento dela com a Ditadura Militar e de umas polêmicas sobre ela ter uma ojeriza ao feminismo. Por conta de ter sido a primeira mulher a ter uma cadeira na Academia Brasileira de Letras, Rachel terminou sendo cobrada e até apontada como uma mulher com inclinações feministas, o que a própria renegou várias vezes. Eu, ser humana tola que sou, criei uma tal dificuldade com a figura dela. Até o dia que me chega às mãos, ou melhor aos olhos, um romance dela em PDF, chamado “Dôra, Doralina”, li as 20 primeiras linhas e, naquele instante, dona Rachel me puxou pelo braço e garantiu meu coração vagabundo e avesso às mágoas.
Daí para outras leituras foi quase um fôlego só. Estou no terceiro romance, “Memorial de Maria Moura” e com o livro de crônicas, recém-adquirido, navegando dentro da minha bolsa por todas as longitudes e latitudes do meu dia de gente comum. “As três Marias” foi o segundo e quase me destruiu o coração. Três personagens apaixonantes, dentre elas a narradora, Guta no apelido e Maria Augusta de nome, uma amiga que me acompanha para onde quer que eu me desloque, seja no tempo ou no espaço sideral do meu espírito.
Rachel que renegava esse negócio de feminismo, criou personagens femininas espetaculares. Fortes, inconformadas e com muita autonomia. Essa Queiroz, sertaneja, nem precisava mesmo se dizer qualquer coisa, os livros, maravilhosos e complacentes, já dizem tudo por ela. Para mim, como leitora, a obra é o que me cabe.
Aproveitando esse texto tão repleto de mea-culpa, preciso confessar um crime. Os dois livros de Rachel foram furtados. Encontrei esmorecidos dentro de umas caixas velhas em uma casa bonita, solitária e triste. De repente meu coração batia em tambores, alguma coisa me chamava. Abri a caixa, tirando um a um, e pluft… Aparece-me “Dôra, Doralina”, aquele primeiro romance que li trechos na tela do computador e determinei que teria que comprá-lo para mim, porque todo amante gosta de corpo e de contato. Eis que lá está, em uma edição antiga. Resgatei-o das profundezas do esquecimento de seus antigos donos e remexendo mais um pouco Dona Moura aparece, refulgente e me diz que eu preciso levá-la dali — ela não tinha nascido para o encarceramento. Trouxe as duas, Moura e Dôra e de quebra, Rachel — a mãe e mão criadora.
Meu marido, enciumado, vez ou outra reclama. “Eita, meu bem, que você agora só vive grudada nesse livro. Carrega para onde vai. Vai ficar doida”, e aí ele ri. Tudo culpa de Rachel, do Nordeste e desse meu amor ilegal por essa matéria da celulose e da prensa.
Por Ananda Sampaio: Jornalista, estudante de letras inglês e escritora.
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