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Cronicando o Piauí: Aquela feira

Banana, laranja, frango, cheiro-verde, tomate, fósforo, pimentinha, pimentão, leite, batata, maxixe, peixe, quiabo… depois da feira, café no mercado. Esta algazarra alimenta minha alma. Gente chega, gente come, gente compra, gente sai, gente vende… pego meu troco e saiu de mansinho. Pela tangente. Passo na banca da Munda. Despenso-lhe um beijo na testa, elogiu seu visual e despeço-me. Pego o carro e subo até o balão ao lado do mercado velho. Vem na minha memória o papai com a cesta no braço, o cabelo fino-branco-e-ralo cumprimentando os magarefes.

Depois de divagar, paro o automóvel e compro umas espigas de milho. Olho pro comércio de secos e molhados e vejo minha mãe com seu chapéu em charme, pois que era muito vaidosa, comprando goma e ovo para fazer bolo-de-sal. Nesta jurisdição há muito de mim nos meus e num passado remoto. Abro a porta traseira e jogo o milho no piso do Fiat. Saiu com as reminiscências forjando o meu ser. Rua estreita e banguela. Transeunte, bicicleta, buzina e moto. Lembro-me num cinema mental que nas minhas andanças na infância pelo mercado, pessoas traziam galinha, capote, pato, porco e bode amarrados na garupa da bicicleta para vender: os mangaieiros. Uma senhorinha miúda e com os braços em rugas passa com sua netinha carregando umas sacolas. Assim era eu quando vinha com o papai para cortar o cabelo à alemão.

O barbeiro ficava em frente ao mercado velho onde hoje funciona um frigorífico na esquina. Ele sentava-me, pois as cadeiras eram altas e giravam com facilidade, e sentava ao lado. Enquanto fazia a barba, eu dava um tapa no visual. Naquela época a cultura da caçoleta e da bisca eram férteis nas escolas e no campinho da pelada. Parto devagar e filmando o ambiente. Cumprimento o Feliciano. Nunca mais vim com o Carlim tomar uma gelada e comer uma panela! O tempero da esposa dele é trivial, porém, simplesmente sofisticado. Passo em frente à Universal e ouço os clamores. Somos um rebanho sem norte.

“Um cego não pode conduzir a outro cego, pois ambos cairão no abismo”, diz o Cristo. Como pode um homem conduzir a outro. Se ambos são cegos? Só o Cristo pode nos conduzir. Por ser Onipotente, Onipresente e Onisciente. Sacou? “Maldito do homem que confia em outro homem”, diz o Provérbio. Deixemos o Divino, e voltemos ao cotidiano profano.

Passo no Tiaguitos, bar/restaurante do meu amigo-irmão de infância Neném, dou-lhe um abraço demorado, tomo uma mineral com gás, peço mais uma, pois o papo tá proveitoso e sorridente e suculento. Pago. Dou-lhe outro abraço apertado e parto. Passo em frente à casa do seu Bacilício na Abdias Neves. Ele e o papai eram amigos do peito. Ele vendia madeira redonda(não serrada) e entregava nas carroças. Passo em frente à casa do seu Francalino. Era um velho alto, rústico e carrancudo, avô do Zé Wilson, que não relaxava um chapéu de palha. A dona Santa do seu Barro faleceu a dois meses. O velhinho depois da perda da sua eterna companheira emudeceu. Quando a mulher vai primeiro, o homem não dura muito. Somos dependentes incomensuráveis delas.

A morte é uma porta misteriosa!

Abro o portão, a Filó já está à espreita balançando o rabo, boto o carro na garagem, ligo a TV, boto as compras sobre a mesa, tiro a camisa, o tênis, ponho um calção surrado e vou cuidar nos afazeres domésticos. A Peteca vem com os olhos meigos, e como quem pede um afago frouxo, para em frente a mim e sacode o rabinho, bota a bumdinha na cerâmica e põe a linguinha cor de rosa para fora… beijo, beijo e beijo dou-lhe.

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