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Cronicando o Piauí: Da vida não levo nada

Sou, verdadeiramente, uma Ceasa. Experimento de tudo. Há dias em que sou pera, maçã e uva. São dias de pompa. Dias de shopping. Garbosos. Abastados. Noites de banquetes e muita farra. Lantejoulas e serpentinas. Dias de orgia. Sem medida. Onde sou soberbo. Dias de glória. Imensuráveis. Indeléveis. Inefáveis. Dias de loucura. Afobados. Insanos. Onde a traça consome o desengano. Onde a ferrugem trago o brilho. Onde o cafajeste roubo a cena e o beijo. Onde o ladrão carrega a cruz. Onde Pedro nega a Cristo por três vezes. Onde o galo canta sem parar.

São dias e noites de gula e de luxúria!

Noutros dias sou abacate, banana e laranja. Dias pacatos. Mansos. Longos. Triviais. Cotidiano! Homem comum, que já não sonha. Segue cumprindo a regra. Cheio de metas inalcançáveis. Louco pensando ser sano. Mecânico. Morno. Robótico. Tecnológico. Onde a sabedoria de Deus é loucura para ele. E a loucura dele é sabedoria de Deus. Não entendeu o escândalo da Cruz. Não entendeu o modelo pregado de braços abertos junto ao madeiro. Vive de acumular tralhas e parafernálias. Vive em série. Escravo dos hábitos. Homem de um só passo. Vive a vida cansado. Espera sempre pela ilusão e pela “felicidade” do próximo final de semana. Amarra-se ao futebol para dar algum sentido a vida. Torce por um time sem saber o porquê, mas grita na torcida e na geral.

O dinheiro é parco, apesar de tanto trabalhar, é curto. Só dar para comprar o bilhete da arquibancada e ficar de cara pro sol. Adora uma marmita. Sua companheira. Sua esposa, cansada e descabelada, sem vida no rosto, é quem confecciona, antes dele partir pra labuta. Já não se pergunta porque vive: vão vivendo sem saber e sem perguntar. A autoestima acabou, faliu, murchou. A terra parou. Cumpri a vida e aguardar a morte. Tem que servi a pátria feito um cidadão comum. Não pode sair do script. Cuidado para não gaguejar em cena. O patrão o elogia sempre. A final de contas, ele põe o caviar em sua mesa. Embora só como costela. É sempre solicito e bobo. Capachão. A sua casa fica depois do moro. Sem saneamento. Insalubre. Sem calçamento. Inóspita. Sem energia. Morte súbita.

Vive da avareza e da inveja!

Tem dias em que sou pequi, limão e tamarindo. A fruta podre do tabuleiro da baiano. Desprovido de tudo e da vida. Sem padrão sem etiqueta. Sigo à margem. Mentindo. Corvade. Serelepe. Tudo que há de mais ruim. O que não serve. A escória do mundo. Os dejetos. A latrinha. A música brega. O gibi. O Pasquim. A prostituta. A doméstica. A página policial do jornal. O escoteiro. O cabaré. O bacanal. Alguém impresentável. Fala sempre ou, quase nunca, a verdade. Vive no meio dos que não têm mais jeito. A ovelha negra da família hipócrita. Aquele que todos da prole esconde. O louco. Sabotador. Beberrão. Farrista. Não usa roupa de marca.

Não fuma charuto. Não Fala ingês nem escreve em sanscrito. Não frequenta os cafés francês. Fala bobagem. Sorri – postura em extinção. Sua etiqueta underground é do camelô e das doações. Seu quarto é no fundo da casa. O último.

Ao lado da casa dos cachorros. Só quem o frequenta é o amor de sua mãezinha. Pelo pai, há tempos teria sido despejado. O prato de comida lhe é caro. Na sandália traz um prego Cabral. Vive de coisas anormais e esmolas. Agregado. Seu odor é forte e suado. Sempre leva um limão ao bolso da bermuda. A dose de cachaça e uma pitada de sal, a pedido, adquire no bar. Ninguém compreende porque esse cara vive sorrindo. Não faz sala pro meritíssimo. Não tem amigo governador. Não é patrício. É plebeu. Leu Diógenes: o cínico. Bebe com os cães. Não doura a pílula. Não faz caras e bocas. Não faz fachada. Não segue à linha. Não traz carteira assinada nem seguro desemprego . Gosta de jogar pelada. Gosta de panelada. Sendo feliz, o chamam de otário. O incauto.

Enquanto uns correm atrás do salário, vive a vida de fato: falando besteiras e contando piada. Não tem mestrado nem doutorado. Analfabeto da vida. Ingrato. Os seus tesouros estão no céu, não no banco nem no mercado. Sempre usa chapéu e compra fiado. Compra uma roupa quando acaba a outra: só tem um corpo. Não é bipolar. Não tem guarda-roupa. Paletó, só pro dia do enterro no cemitério dos invisíveis. Seu lema é: no caixão só cabe eu: casa, orgulho, carro, vaidade, joia, soberba, dinheiro… ficarão pros abutres.

Nu cheguei, nu voltarei!!!

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