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Cronicando o Piauí: Daqui pra lá, de lá pra cá

Nasço em 1963. Meus pais já tinham o Walcácer, primogênito, e o Manoel. Os três primeiros filhos, ou vênus, mercúrio e terra. Sou o terceiro planeta. Somos nove irmãos: seis homens e três mulheres.
Um belo dia, meus pais são convidados para um casamento. Mas, como eu só tinha três meses de vida, minha mãe, de pronto, descartou logo a possibilidade. Meu pai, doido para cair na farra, deu a seguinte sugestão: “Fala com a Lourdinha pra ficar com ele!” Afinal de contas, era só uma noite. Fico na casa da minha avó. Meus tios e tias, ainda, eram todos solteiros. No dia seguinte amanheceram de ressaca, pois meu pai havia metido o “pé na jaca”.

No terceiro dia, minha mãe vai à casa dos meus avós me pegar. Chegando lá, minhas tias, pedem para eu ficar mais um dia, pois havia dado febre à noite. “Marlene, deixa o bichim aqui, amanhã iremos deixá-lo!” Fiquei. No outro dia nada de irem me deixar. No outro, também não. “Marlene, vai buscar o menino!” Chegando lá, minha mãe vai logo dizendo: “O Singa tá me chamando de cigana, pois, por onde vou passando, segundo ele, vou deixando os filhos!” Meu avô, deitado em sua rede e fumando seu Continental, no quarto, ouvindo a conversa, disse de lá: “Pois diga a ele, que venha falar comigo, que o menino não vai mais não!”

Fiquei. Puseram-me o nome dele: Antônio Ribeiro de Sampaio (Neto). Pronto! Agora não tinha mais volta. E o meu pai nunca foi falar com ele. Não era nem louco de desrespeitar meu avô. Jamais.
Fui crescendo… Um dia venho saindo do colégio e meu pai me aborda para falar comigo e eu saí voado. Não queria papo. Minha avô, agora mãe, foi me falando aos poucos. Até eu aceitar a situação. Aceitei! Andava com meus irmãos. Jogávamos bola. Banhávamos de rio. Tirávamos caju na quintal do Zé Luíz. Etc, etc e etc.
Meu avô era delegado e meu pai sempre ia com ele para ajudá-lo nos plantões. Teresina, na época, era uma criança. Além de trabalharem no estado, eles tinham vacaria.

Fui crescendo e meus tios-irmão foram casando. O certo é que só ficou eu com os dois velhos. Daí por diante, tive vida de príncipe. Tudo era para mim. Luxei, luxei e luxei. Deitava e rolava. Namorei as meninas mais belas do bairro. Chegava nos festejos parecendo um lord. Usava lenço ao pescoço, enquanto que ninguém sabia o que era aquilo. A mamãe abria a caixa de joias, e eu escolhia os anéis, os cordões… até broche eu usa na lapela. Cada qual, mais belo do que o outro. Depois, antes de falacer, a mamãe doou às minhas irmãs. Ela tinha uns relógios em ouro, onde o mostrador era coberto. Você acionava um botãozinho e ele abria. Doou, também, às minhas irmãs(onde falo irmãs, leiam tias).

Eu ia à missa, aos sábados à noite, e botava meu relógio de algibeira em ouro. Herdei do meu avô-pai. As minhas camisas de cambraia de linho e as minhas calças eram passadas à goma. Só quem as lavava e gomava era a Comadre. Assim, eu a chamava. Era uma senhorinha negra que morava numa rua por trás da nossa, numa casa de pau a pique. O ferro dela era à brasa. Pesado. O vínculo tinha que ficar certinho com o sapato. Era enjoado.
Minha mãe(leiam minha avó) só usa perfume masculino, pois dizia ser os femininos muito doce e enjuativo. Assim, ela abastecia o guarda-roupas de perfume para nós dois.
Um dia, disse a ela: “Mamãe, quero que a senhor mande fazer pra mim, uma roupa à escossesa!” Ela tinha uma senhora, na rua Picos, que confeccionava nossas roupas. “Compre um sapato preto social bico-fino, um meião preto, pra usá-lo à altura do joelho, e mande fazer um bolero preto pra eu usá-lo por sobre a camisa!”
Ela fazia tudo que eu pedia.

Me achava, verdadeiramente, um Lord Bayron!

Eu de saia em pleno 1977… Depois de rapaz, passei dez anos cortando o cabelo com José. Quando sentava na cadeira, ele dizia: “Dos lados é com a máquina número 1 e em cima com a tesoura. Quadrado!”
Tinha a minha costureira, a minha lavadeira e o meu barbeiro. Isso durante toda minha juventude. A Maria, que morava conosco, quando recebia as minhas roupas da Comadre, agasalhavas todas devido ao uso. As do cotidiano e as de gala.
Depois passei a dirigir o fusca. Era um verde-cana/72. O meu irmão Chicão tinha um 68. Eu achava lindo o para-choque do meia-oito. Caramba, em 77 já rodava de fusquinha. Com uma condição, dizia o papai: igreja, casa da namorada e, na época, festejos. Ora, eu aos 14 anos, já tirava onda.
Casei em 1983. Tudo mudou. Penei, que só macaco para perder a catinga, os primeiros quatro anos de casado. Aí, passei em 87 para o Banco do Brasil. Voltei novamente à orgia. Voltei a ser boêmio pela metade. Agora tinha a esposa e as filhas. A responsabilidade havia batido à minha porta. Na infância tive um Jeep Bandeirante verde-abacate. Na adolescência uma bicicleta Tigrão amarela de banco longo. E na juventude rolava de fusquinha 72 verde-cana.

Hoje, estou de boa, sossegado e pronto para, qualquer hora, partir, quando, assim, Deus quiser me levar para conhecer outras galáxias. Aqui já deu o que tinha que dar. Quero conhecer outros mundos. Outros seres de Luz. Cansei! Aqui é só besteirol.

“Na casa do meu Pai há infinitas moradas”
(disse o Cristo Jesus).

Meu filho e minhas duas filhas já estão criados. Como dizia meu avô-pai:
“Já sabem comer com as próprias mãos!”

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