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Cronicando o Piauí: #MinhaMagrela

Atraco minha bicicleta à porta da quitanda da esquina, pois nos shoppings o ancoradouro é de BMW. Lá, minha magrela, não é bem vista. É muito mal recepcionada. As metrópoles que frequento têm no máximo 45mil/hab. As cidades entre 12 e 18mil/hab. As que parecem mais um povoado, as quais eu mais amo, têm entre 3 e 4mil/hab.
Em Pau d’Darco, na casa do pai do José, amaro minha rende no terreiro. Debaixo da faveira. Onde a sombra é fria e o vento em abundância.

Enquanto tomo cerveja, como tilápia e carne assada, a vaca deitada sobre a areia branca vai ruminando. Os bodes e os cabritos vão passando no pé da cerca de talo de coco. O galo o tempo todo em galanteio com as galinhas. Roça a asa na perna e cobre uma galinha pescoço pelado. O cheiro do muçambê e da unha-de-gato perfumam o ambiente. Chega um amigo da família e nos oferta um leitãozinho. Amanhã, comeremos o espinhaço. Hoje, vamos assar somente uma banda pra acompanhar a cerveja. Diz o Carlim. Outro se apressa: “Então vamos comprar mais uma caixa!” Afinal de contas, ainda temos uma noite inteira com uma lua linda pela frente. Gosto de ouvi as estórias de caçada e as pescarias.

O que não falta são os Chicó, do filme “Auto da Compadecida”. Imaginação a mil. Chegam as motos e com elas as meninas. Umas filhas, outras netas, outras primas, outras amigas e etc. A lua vem prateada. Passa um, dois, três, jumentos. Ouço o burburinho das galinhas se acomodando no poleiro. Ligam as luzes do pátio e da casa. Saudades da lamparina e do lampião. Tá tudo mudado. “Eita porco saboroso!” Vou lambendo os dedos. A cerveja tá estupidamente gelada. Conversa não falta. Já houve até discurso. Passei o dia com um chapéu de palha. Assim, sou um pouco mais sertanejo. Teve uma muriçoca, mas logo o vento levou. Parece que vai chover. O relâmpago cortou no lombo da serra.

O vento frio é de chuva. Novamente, o relâmpago rasga a serra. O trovão, pai da coalhada, ronca longe. “A nossa chuva vem daqui!” Diz o pai do José apontando. O leitão é um gostoso pecado. Agora o Carlim resolveu atender meu cansado pedido: rola Belchior no som da Hylux. Agora, meu irmão, pode inventar cerveja. “Fotografia 3×4″… “A Palo Seco”… A voz dele parece espinhar minh’alma. Chega um amigo montado a cavalo, que estava atrás de uma vaca que pariu no baixão. Ofereço-lhe um copo de cerveja. Ele recusa cordialmente, mas diz gostar mesmo é de quente. Vou ao carro e trago uma garrafa de Ypioca.

Ele toma um trago. Espero que ele cuspa, mas ele não cospe. “É, o home é bom de cana!” Dou mais um, mais outro. Num curto espaço de tempo. Aí ele grita: “Calma, seu Neto, assim não compro o ói e os pão, que a muié pidiu!” Não tem como segurar a gargalhada. Foi geral. Corto um pedaço de porco e entrego-lhe na mão. “Agora, me der outra, que vou me achegar!” Pego o copo e ele grita: “Calma, home!” A gaitada toma conta da roda. O gado vai chegando e se acomodando debaixo dos pés-de-faveira. Uma vaca passa meia-hora mijando.

O touro vem e testa a descarga pra sentir o cheiro do óleo. Levanta a cabeça e desfruta do saboroso odor.

Aqui, minha bicicleta tem valor!

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