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Cronicando o Piauí: Minhas andanças

“Andar caminho errado pela simples alegria de ser…” (Belchior).

Ontem, acordei, abri a porta da cozinha, e, diante da mangueira e do clarão do céu, respirei, abri os braços, os abraços, orei, rezei e ao Criador gritei, chorei e agradeci. Acendi uma vela ao meu Anjo da Guarda… Fiz carícias nas minhas cadelas: uma velhinha, a outra magrela… liguei a ducha sob o vento da mangueira, sentindo o aroma do mamão do vizinho carcomido pelo bico da pipira e, socorrendo-me, da beleza da vida, olhei para mim e sorri insolentemente. Sou íngreme e inóspito. Inabitável.

A proeminência dos meus lábios insossos afastou-se. O meu coração impregnou-se de amor e de vermelho. As prosas do coração são sempre e no todo capilares. As artérias deste cupido têm a força da raiz da planta na terra árida. O meu corpo mendiga em andrajos pelo beco dos beijos e descansa no número da carta do baralho do “amor”.

Tomo o pingado com sabor de manteiga na house da mamãe, tiro dois dedos de prosa com meu velho pai. A Yohana, minha sobrinha, linda e bela, chega, dá-me um cheiro prolongado e um abraço com os tentáculos de uma ursa no cio. Desço para a Biss… Encontro a galera em peso. “O Netão chegou!” Já vai gritando o Marquim, meu amigo e irmão, do todo o tempo. É jogo do bicho, é cachaça, é cerveja, é sacanagem, é putaria… é vida em abundância.

O Quincas liga-me, perguntando onde estou e diz está chegando. Chega o Leite. Cumprimenta-me e abraça-me. “Bora toma uma, Netão!?” Estou de recesso.
Fico na mineral com gás, suco Del Valle, na cajuína e a galera no etílico. A calçada da Biss é uma festa. Reveillon antecipado. Chega mais um e mais um e mais outros…

Saiu de fininho com o Quincas, pego meu rango na casa da mamãe, desembarco o carona e desço pro berço. Banho demorado, almoço com parcimônia, abasteço as vasilhas das cadelas, estico minha rede, ligo a TV e o ar…
O celular toca às 13h15min. “Netim, o Danielzim está nos convidando para ir com ele ao Assentamento Nova Conquista, depois do povoado Baixa Grande, no município de Monsenhor Gil!”

Pego a chave do Toyota do Daniel, passamos no posto para calibrar os pneus e abastecer. Abasteço no posto em frente a D’Goes. Pego a rua Celso Pinheiro, pego a av. Odilon Araújo, pego a av. Barão de Castelo Branco, passo pelo conj. Morada Nova, passo pelo conj. Bela Vista e pego a BR 316, rumo à Mons. Gil, que dista 58km da capital. Na Baixa Grande compramos castanha de caju e nos informamos sobre a entrada para o assentamento. Diz O ribeirinho do asfalto: “O Senhor vai entrar na rodagem ao lado do posto e vai andar uns 20km!” Agradeço-lhe, com toda cordialidade de um rapaz latino-americano sem dinheiro no banco, e parto rumo ao nosso destino. Depois de rodar alguns quilômetros, paro num aglomerado de degustadores de cana-caiana, renovo o GPS da memória e parto.

Não há estrada mais bela. A Europa perde é longe. Perde é feio. Chegamos no primeiro assentamento e nos informamos de quanto dista. Depois da informação, pergunto ao sertanejo, se teve chuva por istos dias:
“Só teve uma lampreirazinha!”

Chegamos ao Assentamento Nova Conquista. Os moradores já nos esperavam na Associação. Danielzim faz suas entrevistas para colher material para o projeto do seu doutorado e eu fico conversando com a cabocada. O lugar é belo. O vento é magnífico. O povo é brando. O bêbado é chato, porém, compreensivo. As mulheres gostam de sorrir: são felizes(trocando em miúdos). Sorriso franco, puro, farto e fácil. É um lugar desumanizado de frieza. As pessoas são calorosas, meigas e amáveis. Sinto uma paz invadir meu ser. Sinto-me a levitar. Estou bem e com uma calma ardente no meu ente. É algo que não sei mensurar. É um portão, que se abriu em minha alma, que não posso aferir. É a imensidão invadindo um frasco tão pequeno: é Deus!

Eles nos oferecem o que têm de melhor: a acolhida, a cordialidade e o afeto do fundo do amor. Os rostos em sulcos, as mãos calejadas e a simplicidade das indumentárias nos transportam ao incomensurável. Elevam-nos ao Divino. Deixam-nos de joelhos e humilhados. É uma humildade sofisticada. É o pescador do Cristo. É o corpo na sua pureza. É a mente na sua graça. É o incorruptível. É indelével. É inefável. Para mim, um dia de graça. É Deus!
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Risos: foi a tônica da viagem!…

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