Rola o baralho e eu, de longe, de boa, a espiar. Fica uma roda de homens sentados em frente à banca. Depois, em camadas, por trás, os “pirus” sentados e em pé, vão tecendo os comentários. O importante é participar do perrengue. Os jogadores levam as cartas urdidas à mão e o olho fixo à mesa. Enquanto a turma do carteado fita as cartas, na outra galera rola futebol, política, mulher e fuxico de várias matizes. Na mesa de apoio, ao lado, ficam o cigarro, a cachaça, o conhaque, a cerveja e etc.
O ambiente é aberto, mas a fumaça dos cigarros acaba por impregna nos cabelos e nas roupas. Os rostos estão ensebados de suor, cansaço e fuligem. O “Sapatim”, uma personagem folclórica, vai de boneta, óculos escuros, bota e fumo Sacy. Ah, e uma camisa rubro-negra surrada, adquirida no camelô do Shopping da Cidade. Ainda carrega um vidro cheio de torrado que distribui entre os brothers. As motos parecem espinhas de peixe, coladas às costelas da calçada. Todos, sem exceção, fumam compulsiva e freneticamente. Dão cada tragada que chega a afinar o pescoço e prolongar os lábios ao infinito. A noite cai e o tempo está parado e abafado. Lá longe, as folhas do pé de angico branco anunciam o ensaio do vento ainda tímido.
O garoto passa com uma penca de casco de cerveja e refri numa sacola… Na casa da vizinha, uma criança chora aos berros. Do outro lado da rua, um menino corre com um pau na mão atrás do gato rajado que sobe o muro numa rapidez estonteante. Chega um parceiro, pega um cigarro sobre a mesa, acende, dá duas baforadas olhando pro céu, pergunta as horas e parte arrastando as alpargatas pelas calçadas. A moça, em roupa colada ao corpo, que vem da academia, ao se aproximar da banca, baixa a cabeça e segue rente ao muro da calçada oposta.
Surgem alguns comentários por entre os dentes.Lembro-me de Chico Buarque:”…hoje eu tenho apenas uma pedra no meu peito, exijo respeito não sou mais um sonhador, chego a mudar de calçada, quando aparece uma flor, e dou risada do grande amor…”