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Cronicando o Piauí: Nossa Teresina

“Teresina, ó minha terra escuta, tu tens 100 anos de ferrenha luta/ eu tenho 8 de saudades e dores”. Versos do poeta Domingos Martins da Fonseca em homenagem ao Centenário da capital. O papai era delegado e nas horas vagas seresteiro e boêmio por opção; o Domingos Fonseca era “Mata Mosquito”, depois passou a ser Sucam, poeta e repentista renomado; o Ênio Abreu era funcionário público da Fazenda, tocava violão e cantava; o Porfírio Abreu era investigador e também tocava violão mas não cantava; o Moreira era autônomo e tocava pandeiro e cuíca.

Estes eram os companheiros de regra de farra e de orgia do papai. De vez em quando, o Raimundão, primo da mãe Lourdinha, aparecia. Chamavam o papai de pé-de-ouro por dançar eximimamente bem. Eles andavam muito no “Jardim da Infância”, era um cabaré – uma casa de dança -, mas a mamãe não se importava. Quando acontecia qualquer confusão no cabaré a madame(acho que o nome dela era Maria Gavião. Mas não tenho certeza. Era muito pequeno) recorria ao papai, que era o delegado da “Boca de Pau”, nome dado pela comunidade do bairro ao Distrito/Delegacia na época. Ficava na rua Picos.

Cansaram de chegar de madrugada mortos de bêbados. A mamãe acordava e ia prepara comida para eles. Geralmente, fazia caldo de carne com ovo ou galinha-no-pirão-de-parida. Eles armavam as redes no alpendre e dormiam. Enquanto eles dormiam o papai ia para o curral tirar o leito do gado. Pois às 4h da manhã, o João da Cruz já estava na porta pegar e ir vender no Mercado da Piçarra. Enquanto esperava no curral o leite, eu ficava buzinando na buzina da bicicleta dele (fon fon fon). Ele ficava com ódio. “Menino, tu vai acabar com esta buzina!”, gritava. Saía voado para debeixo da barra da saia da mamãe. “Fela-da-puta, eu vou já te dá um cascudo!” O negro era bruto. Só que ele nunca me pegava. O papai só ficava sorrindo. Ele fazia de tudo para esconder a bicicleta de mim. Mas eu procurava até achá-lá. “Menino é bicho antipático!”, dizia.

Papai vinha do curral (Ele sempre teve gado. Era mania desde de criança quando morou com seu tio-pai Adécio Sampaio na fazenda Bilerinha em Campo Maior. Além dessa, tinha as fazendas Barra do Tambor, Conceição e Liberdade. Ele foi criado nos campos de Campo Maior junto ao gado. Quando ele estava sem vaca, aqui em Teresina, o Adécio, que era louco por ele, mandava os vaqueiros da Fazenda vim deixar) comia, ou a galinha ou um frito de carne de porco com uma dúzia de ovos caipira e um copo de café preto estupidamente quente. Não gostava de leite, nem comia pão. Gostava mesmo era de um traçai de carne gorda, mão-de-vaca, cozidão, panelada… Depois, deitava na rede, jamais dormiu de cama, pegava a carteira de cigarro Continental, acendia um cigarro, lançava o pé na parede para balançar e começava cantar as canções que sabia que a mamãe gostava. Era uma forma de adular, de gratidão e de amor. Eles eram muito apaixonados.

Foi convidado para ser cantor na Rádio Nacional da Bahia. Chamavam de peito-de-aço. Vozerão. Mas não largava sua Teresina por nada. Era um amo incondicional. Aí eu ficava escutando o rangido dos armadores. Quando parava era porque havia dormido. Ele, o Beto e Chico, meus dois irmãos, dormindo pareciam um trator D8. O ronco deles era tão forte que tinha hora que eu pensava que iam morrer engasgado.

Os cachaceiros acordavam todos com as caras mais limpas. A mamãe prepava o almoço e eles já mandavam comprar cerveja e Campari pro Ênio Abreu. Era muito branco, com o Campari seus lábios ficavam cor de róseo. Achava charmoso aquele copão com gelo e Campari. Era diferente. Quando eu crescer vou beber esse tal de Campari! Tentei várias vezes mas não deu. Amargo! Fiquei mesmo na gelada. Huuummm…
Aí os amigos iam chegando. Seu Jacob, seu Quincas Bastos, seu Alexandre, seu Tomé, seu Otto… com as esposas, filhos, filhas, genros, noras e os amigos dos amigos.

Nossa casa era uma festa! Todo dinheiro era para festejar. Nunca fez poupança: ele ganhava e gastava. Quando a mamãe falava, respondia: “Minha Velha, eu nasci nu e já estou vestido!” Dançaram muitos carnavais juntos.
A irmã de Domingos Fonseca vai transferida para ir trabalhar no Rio Grande do Sul. Só eram os dois. O poeta tenta convencer o papai e a mamãe para ir com eles. “Lá, montaremos um posto de gasolina e a Lourdinha com os meninos tomam de conta. Vamos!? Dá certo!” O papai era apaixonado pela Chapada do Corisco. Depois, de 8(oito) anos de distância e de saudades, ele compõe o poema, que citei no inicio, e manda numa carta ou numa missiva enorme pro papai.

Lembro-me ainda dele sentado na mesa da cozinha lendo e levantando os óculos para limpar as lágrimas. Nesse dia bebeu e cantou com os amigos, que lhe restaram, o dia e a noite inteiros. cantando e chorando. Chega soluçava. Vi aquela montanha de 1,96 de estatura desmoronar!
Eram amizades homéricas! Eram amigos do peito!

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