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Cronicando o Piauí: O roubo | Parte 01

O domingo acorda e tudo parece comum. Os ferrolhos começam a estalar na vizinhança. O Alfredim se estica uma, duas, três vezes sobre o leito da cama. Pega o fósforo e acende um “crivo”. Dá uma baforada, mais uma e mais outra. Fica deitado de olhos arregalados medindo as telhas. Levanta e vai ao banheiro. Lava o rosto, escova os dentes, pentea o cabelo, mija e sai para tomar café. Acende um cigarro e sai para ver como está a lida dos transeuntes. Tira um ferrolho, tira o outro e dar duas voltas na chave. Olha uma vez. Olha de novo. Passa a mão nos olhos. Esfrega de novo. Mais uma vez. Amarela. E cai sentado no batente da porta.

– O que foi, Alfredo! – Grita a Tânia, sua irmã.
A Kombi não estava em frente a casa.
– Maria, faz uma água de açúcar pro Alfredo! Ligeiro!
Roubaram a “Paloma Branca”.
– Neto, você tá aonde!?
A casa estava em alvoroço.
– Em casa!
O Alfredim estava sem força nas pernas.
– Roubaram a Kombi do Alfredo!
A vizinhança começa chegar. E cada um conta uma estória de alguém que foi assaltado. Ninguém se entende.
– Tô chegando!
Pego o Dedé, meu irmão, que é policial e descemos pra Zona Norte. O trânsito tá manso, pois é domingo. O Dedé liga pro 190 e se identifica. A soldada, que recebe a ligação, pede o número da placa para repassar às viaturas e recomenda ir ao distrito da região registrar o BO.
– Agora, é ter calma!
Paro num boteco pra tomar uma gelada.
– Porra, Neto, eu no sufoco e tu quer é beber!

A vida é uma festa. Não devemos encará-la de frente. Tomamos uma, duas, três. Chegando em casa a Tânia tá assando um pedaço de carne gorda. Enchemos a cara de cachaça e relaxamos. Não havia mais nada a fazer.
Segunda pela manhã.

– Alô! Seu Alfredo!?
– Sim!
– A sua Kombi tá aqui no povoado Saco em Timon!
Ele havia encontrado um cartão com o telefone do Alfredim. Uma alegria e uma tristeza.
– Neto, achei a Kombi!
Uma apanha e uma entrega.
– Estou chegando aí!

Tava só o oco e os caborés cantando chocos. Depenaram. Levaram pneus, motor, bateria, faróis, direção… ficou só a casca. Botamos em cima do caminhão e levamos para Teresina. Na terça, fomos à sucata do seu Ananias e a negocíamos por mil reais. No seu estado anterior valeria 15 mil. Conversa vai, conversa vem. O seu Ananias diz que tem uma Strada e que vende por 8 mil. Conversa vai, conversar vem. Negócio fechado. Alfredim já sai montado. Motorizado.

Passam-se os dias. A vida corre certa e lenta. Era uma tarde de domingo. Alfredim se despede da família, passa na casa da mamãe, pega a Marta e a Ísis e rumam à Barro Duro. Chegando no Posto da Polícia Rodoviária Federal são parados.

– Boa tarde! Os documentos!
O patrulheiro entra no Posto e retorna dando ordem de prisão.
– Desça do carro! O senhor está preso!
O pobre do Alfredim sem entender nada, segue o patrulheiro.
– Esse carro está com ordem de prisão por roubo!
O Alfredim começa suar.
– Moço, eu sou um trabalhador! Eu comprei esse carro porque roubaram a minha Kombi!
Contou todo acontecido.
– Realmente, estamos vendo que o senhor é um trabalhador!
Mandam ele sentar e chamam a Marta e a Ísis. Oferecem água e mandam elas sentarem.
– Olhe, nós temos que fazer os procedimentos!
Depois de toda papelada pronta, descem pra Central de Flagrantes. Lá, o delegado quer porque quer prender o Alfredim. O patrulheiro intervém e diz ser o mesmo apenas uma vítima. O carro fica preso.
– Amanhã o senhor venha aqui trazendo a pessoa da qual comprou!
– Se ele não quiser vim?
– Aí, a polícia vai buscar!

O Alfredim bota a boroca debaixo do braço e, quase chorando, pega um moto táxi. “O tempo passa/ o tempo voa/ e poupança Bamerindus continua numa boa”( propaganda dos idos de 80).
O Alfredim vai ao seu Ananias, que diz ter comprado do Antônio, que diz ter adquirido do Raimundo, que diz ter comprado do José. Fomos todos à Polinter. Lá, descobrimos, que no meio, ainda havia outro imbróglio. O Raimundo havia trocado a Strada numa Pampa com o Joaquim, que havia comprado do Ezequiel.

Como o Joaquim havia ficado devendo 7 mil ao Ezequiel, este deu queixa de roubo da Pampa. A Pampa vai presa e o Joaquim, de má fé, manda o Raimundo ir falar com o Ezequiel. O Ezequiel vai com o Raimundo ao Detran para soltar o carro. Pois só quem pode retirar é o proprietário. O pobre do Raimundo, coitado, paga $ – 1.800,00 para retirar. Quando o Ezequiel recebe a chave, diz:

– Agora, só entrego o carro, quando ele me pagar meu 7 mil, que ele ficou me devendo!
Sendo o Raimundo um homem de poucas letras, pede ao seu cunhado para ir com ele à Polinter pra registrar uma queixa de roubo. A Strada vai presa. Aí está o nó.

O papai fala com o doutor Ezquiel e ele manda um bilhete pro doutor Ulisses, pedindo pro mesmo ver o que pode fazer. O papai me chama, me estrega o bilhete e manda eu procurar o doutor Ulisses no Fórum. Chegando lá, ele está em Audiência de Custódia. Fico aguardando. Cansado de esperá-lo, vou à lanchonete comer alguma coisa. Retorno e sento numa cadeira confortável e no arcondicionado. A Jaqueline, uma morena muito simpática e com uma dentadura linda, oferece-me água e café.

– Fique à vontade, senhor Antônio!
Termina a audiência e eu entrego-lhe o bilhete. Ele descansa os óculos à ponta do nariz e lê…
– Cadê esse cachorro!? Nunca mais eu o vi!
Ele pega o celular e liga pro delegado Luciano, o qual foi seu aluno.
– Vá à Polinter e diga ao Luciano que é a pessoa que mandei para falar com ele.
O Luciano pede o TCO para ver como estava a situação. Fazia muitos trejeitos com a face. Imaginei, a coisa não está boa.
– Rapaz, o delegado abriu o processo e já encaminhou para o Fórum do Bela Vista! Agora só na justiça!
Volto ao doutor Ulisses. Relato o que me foi dito.
– Amanhã você vai ao Fórum e me traga o número do processo!

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