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Cronicando o Piauí: Quantas lembranças

Em 2000, venho embora de Brasília transferido para agência do Banco do Brasil de Campo Maior – terra da cane-do-sol, da cera de carnaúba e de mulheres bonitas. A Sandra vem de carro com as meninas e fico para vim no final do mês. Compro pneus novos, troco o óleo e mando fazer uma revisão no Fiat, e elas, com um sorriso de quem está voltando para casa, descem para Teresina – Chapada do Corisco.

A minha despedida é numa sexta-feira, mas somente o Abdalla estava sabendo. A turma queria fazer um “bota fora”, mas nunca gostei de despedida. Terminado o expediente da sexta, saímos eu, o Zé Carlos e o Abdalla (o Bibi). Saímos e tomamos umas duas no Restaurante Floresta, que fique nas cercanias da agência – no Plano Piloto. A proprietária do restaurante era conterrânea do Bibi. Lá das bandas da cidade de Floriano/PI. De lá, fomos numa boate na Asa Norte. Nos despedimos do Zé Carlos, que saiu no seu fusquinha rumo ao seu lar, e fomos a uma roda de pagode. Cheguei ao apartamento do Neto Bocão, amigo, contemporâneo e conterrâneo, por volta das 5h da manhã do sábado. Ele sai com a galera para AABB e eu fico dormindo, morgado. Ligo o ar-condicionado e desmaio. Quando ele chega no crepúsculo ainda estou morto. Traz um rango para mim, engulo e desmaio novamente.

Acordo às 5h, do domingo, numa ressaca infeliz. Tomo um banho demorado, e depois, água, água e água. Dou uma checada na mala e às 6h30min, parto para a rodoviária. Despeço-me. Abraço-lhe, choro e agradeço os dias de estadia, pois havia entregue minha casa, que era alugada. Ele me deu abrigo e carinho. Pessoa do bem.
Pego o taxi, e saiu, com os olhos lacrimejando, e me despedindo de 3(três) anos de uma saga louca no Planaltos. Enquanto, o táxi avança, meu coração palpita e eu vou soluçando. Sou mole. Pago o chofer e despeço-me. Vou à agência, compro minha passagem para 8h. Sento-me na ponta de um banco longo, e o soluço não se esgota.
Uma voz no alto-falante, avisa: “Passageiros com destino à Teresina, favor se dirigir à plataforma “8”. Entro e sento na janela. Fico, no fundo do peito, admirando e agradeço ao DF por tudo. Pelo o acolhimento, pelas oportunidades de ter conhecido tantas coisas bonitas e tanta gente boa.
Adeus, Juscelino Kubitschek!

O motorista, em gravata, cabelo comportado, sapato em brilho engraxado e num uniforme bem alinhado. Sobe, debruça os braços sobre a direção, acelera, buzina, dá uma olhada no visual pelo retrovisor. Entra uma moça trazendo uma prancheta, ele assinado, se despedem, fecha a porta e dá início à nossa jornada.
“Se teu amor foi hipocrisia/ Adeus Brasília vou morrer de saudades” (Alceu Valença).
Pronto, agora, estamos na BR. Conversa vai, com vem, faço uns amigos. Éramos três. Às 5h, chegamos na rodoviária de Barreiras/BA. Banhamos e tomamos café… Rodamos até entrar no “Piau” pela cidade de Corrente. Daí por diante, toda parada que o ônibus fazia, aproveitávamos para quebrar uma gelada. Paramos, por volta das 19h, para juntarmos. Já estava com o coro da testa grosso. Sentamos e pedimos ao garçom que preparasse um tira-gosto e trouxesse uma cerveja bem gelada. Ao sentarmos, percebo um senhor, uma senhora e um garotinho de uns 12(doze) anos sentados num peitorio. Este chorando.

Chamo o garçom e pergunto o que está acontecendo com aquela família. Relata-me que a criança sofreu um acidente, mas não sabia dos detalhes. Levanto-me e vou ao casal. O Maximiliano havia saído cedo para caçar passarim, pois eles moravam num assentamento. Lá, um espinho de tucum entrou no olho dele. Foram ao posto de saúde, porém, na havia médico de plantão. Foi orientada a levá-lo para Floriando. Como não tinham dinheiro para pagar as passagens de ônibus, foram ao prefeito pedi a ambulância para levá-los. “A ambulância não tem combustível!” Foi resposta. Tudo porque não éram seus eleitores. Arranjaram uma carona até esta cidade, que não recordo o nome, pois estava bêbado. Mas não sem amor. Vocês já jantaram?

Dei janta a eles. E enquanto se alimentavam, fui ao motorista para negociar a ida deles até Floriano. Contei o que estava acontecendo e o motorista, gente boa, sensível à situação, acenou com sinal verde. Paguei as passagens e embarcamos. No caminho, fiz a seguinte proposta: O ônibus vai chegar em Floriano por volta das 2h30min, ainda vão atrás dessa comadre, que nem sabem onde mora. Então, vamos comigo para Teresina!? Lá tem a casa da minha mãe e tenho amigos médico. Vamos comigo!? De pronto disseram: “Obrigado, seu Neto, mas vamos ficar em Floriano!” Não podia fazer mais nada. Mas o meu coração estava partido. Em pedaços. Ainda temos tempo até o destino de vocês! Pensem com calma! Me identifiquei… Ficaram os dois cochichando para chegarem a uma decisão. Um consenso. Dormi…

Daqui a pouco, sinto alguém tocar em meu ombro. “Seu Neto, nós vamos com o senhor!”
O Ronin, namorado da minha irmã Flavinha, in memória, estava na casa da mamãe, e foram me buscar no Terminal Rodoviário Gov. Lucídio Portela. Chegando encontram eu e mais três… No caminho, conto o acontecido, e ele: “O tio Adécio está de plantão hoje!” As coisas de Deus. Ninguém as explica. Chegando na casa da mamãe, o Ronin liga pro Adécio e conta tudo.

“Espere um pouco que vou ligar para um amigo e te retorno!”
O mesmo é endocrinologista, não era oftalmologista.
“Leve-o ao HGV, e fale com o doutor fulano de tal!”
Não recordo o nome dele. Eu e o pai ficamos em casa, pois estávamos mortos. A Dora – a mãe -, a Flávia, o Maximiliano e o Ronin foram ao HGV. A mamãe mandou a Deusa preparar alguma coisa para comermos e ajeitar um lugar para dormimos.
Ele foi operado de imediato e teve que voltar mais duas vezes, pois foram três operações. Ficaram como se fossem parte da família. A Dora, quando vinha, tomava conta das tarefas doméstica da casa da mamãe.
“Dora, larga isso aí!”
A gratidão faz parte do coração das pessoas humildes.
“Não, dona Lurdinha, tenho que fazer alguma! Vocês são muito bom pra gente!”
Um dia, ele aos 20(vinte) anos, veio à casa da mamãe, e disse que queria me ver, precisava agradecer e me dar um abraço por tudo que havia feito por ele. Mas o destino até hoje não nos permitiu este encontro.
A mamãe disse que ele chorou, quando lhe mostrou um retrato meu.
“A senhora, me dá essa foto dele!”
A mamãe já chorando, segundo a Deusa, entregou-lhe.
“Vai com Deus, meu filho!”

Fiz a minha parte!

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