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Cronicando o Piauí: Sementes

Havia milhões de sementes espalhados pelo solo. Todos os dias, logo na aurora, ele começava a classificá-las. Um dia, logo nas primeiras a serem catadas, deparou-se com uma de uma cor estranha. Parecia um vagalume ao sol: ofuscava, reluzia. Viu que era especial, exótica e esdrúxula. Separou-a no bolso do blusão para, num lugar encantado, plantá-la.

No outro dia, logo pela manhã, foi até uma fonte, escolheu um cantinho e plantou. Todos os dias ia regala duas ou três vezes ao dia. Evitava as formigas, as tempestades e os insetos. Ninguém sabia o que tanto fazia indo àquela montanha dia após dia. Um dia, chega e percebe algo verdinho rasgando o lombo da terra. Não sabe se chora ou se ovaciona o feito. Ajoelha-se e fica reverenciando aquele ser tão proparoxítono. Parecia em neon de furta cor.

Redobrou as vigílias e amiudou as visitas. Ele, que andava tão vazio e tão solitário, numa vida mesquinha e sem sentido, renascia à cada novo encontro. Redescobriu o amor: cumplicidade e proteção. Aquele ser tão frágil precisava dos seus músculos e dos seus cuidados. Subia a serra com o regador e com um coração cheio de fôlego. Aquele caminho era uma escada para a felicidade. Não havia cansaço. A ida alimentava a saudade e a volta fomentava o desejo de um novo reencontro.

Agora, começava a tomar forma, o caule e, a se desenhar, as folhinhas. Não lhe faltava adubo, nem água e nem carinho. Ele passava horas e horas conversando com a mesma. Contando seus segredos, suas angústias, seus traumas, seus amores… oscila entre risos e lágrimas, quando fala ou pensa em suas peripécias. Deita sob a copa das árvores, sobre as folhas secas e fica vasculhando a vida e fitando as estrelas nas fissuras do céu. Aquele é o seu modo de ler o mundo. Sem pressa. Sem desprezo. Sem covardia. Ao Deus dará!
Em casa, cria uma arara, um papagaio, um sabiá, porém, nada de gaiolas. No quintal, os patos, as galinhas, os capotes, os porcos, as cabras… uma ou duas cabecinhas de vaca. Transitando pelo meio da casa, um preá. Sobre as telhas, os pombos.

Cedinho sua esposa já está com café em fartura sobre a mesa. Tudo tirado da roça. Sem agrotóxico. Saudável… Depois de encher os potes e botar água no tanque para sua mulher, vai visitar sua plantinha. O ritual é quase sempre o mesmo. Sobe até o cume da serra na esperança de uma grata surpresa.
Muitos galhos, muitas folhas. Viçosa. Limpa a sua eira com todo cuidado para não machucá-la. Adubo e água. O orvalho escorre pelas folhas. Ela cresce e expande as galhas. Vai ficando cada vez mais linda, esbelta e charmosa. Ele enche o peito de orgulho: o amor que deu certo. Ele conta as horas para descer e para subir.

Um dia, está lá o botão surgindo. Um pendão. Ele dança, canta e agradece aos céus. Vasculha ao redor para ver se não há formiga e inseto por perto. Limpa folha por folha com uma flanelinha úmida de algodão. Sulco por sulco de suas faces. Gosta de assoviar, pois parece niná-la. Deita-se na sombra onde fez seu divã e entra em transe. Dorme e sonha…

Um dia, chega e esbarra numa roseira enorme de um aroma sublime. É estonteante. Jamais sentiu aquela essência em qualquer frasco.
Viveu exalando e inebriando a sua vida, a sua casa, a cidadezinha por três dias e emudeceu como tudo na vida. Cumpriu a sua sina e partiu. Ele entendeu que a vida efêmera e que temos que dar o melhor que temos. O melhor sorriso, o mais singular dos beijos, amar e partir.

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