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Cronicando o Piauí: Tempo de amadurecer

Agora, vou calar. Vou afinar os olhos e as oiças. Emudecer é o escopo. Pensava, na minha tenro juventude, que os meus argumentos e os meus modos eram saudáveis, plausíveis e palatáveis. Eram bijuteria. Jamais foram joia rara. Quero escutar e esquadrinhar a prosa sentada no tamborete. Ouvi o fundo da alma no zumbido do silêncio. Sentar na areia fria da beira do rio sentindo o assovio do vento no sabor da manga-de-fiapo. Não me darei aos embates. As discussões são folhas secas. Deixem que eu seja um fiasco. Não quero enfrentar a odisseia de Ulisses. É ele o herói. Quero ser o jogador inveterado de Fiodor Dostoiévski. Que Goethe me apresente ao sofrimento.

O recolhimento será meu lençol. Minha válvula de escape. Vou ficar mais em mim. Fechar os assuntos em mim. Que o mundo fale e falhe. Que as esquinas gritem. Vou ficar sentado, parado na parada esperando o ônibus passar. As veredas sou eu. As estradas sou eu. As mentiras sou eu. O fracasso sou eu. O fraco sou eu. Vou deixar os pensamentos circularem em minhas artérias. Filtrá-los e arquivá-los. Sou um astronauta em farrapos fixado no grão, no chão e no pão. Minha memória é a flecha que não abarca o alvo. O dardo parte do arco sem chegar em mim. É sempre mais fácil seguir a maré. Na água ninguém deixa rastro. As casas de taipa são as que suportam a fome. São as mais fortes. A volta é sempre mais rápida.

Sou todo ouvidos. Aquela que veste chita é sempre a mais bonita. Umas carregam a beleza no ouro, outras no rosto. Ao belo todos os ângulos são favoráveis. O odor é a palavra da flor. Estou feito Jó: sentado em meio a cinzas coçando as chagas com caco de telha. O Sol é o meu atalaia. Sou o réu do processo de Franz Kafka. Como posso libertar Dimas se continuo pregado na cruz. Sigo resignado feito o jumentinho que conduz seu jugo. Calar também liberta. O silêncio são as asas da alma. Hoje, prefiro não opinar. Errarei menos. Nunca fui um bom conselheiro. A soberba mácula meu cadáver. Meu espectro são as digitais dos meus enganos. Basta respirar para sofrer.

Vou ficando com as mãos simples e agricultáveis. Em sorrisos lunáticos viver. A vida para mim caminha fácil. Seus capítulos já não me pegam de calça-curta. Até porque não espero nada deles. Simplesmente, vou vivendo e revendo a revista com as cenas anteriores. Agora, a bola da vez é hibernar. Não sou o fiel da balança. Estou muito mais para Pôncio Pilatos. Podem me chamar de covarde. De qualquer jeito, irei parar no Gólgota. Se quiserem, podem me erguer na árvore com Judas. Os meus joelhos se dobrarão diante de Deus. Meu corpo é são. O alejão está imprimido no caráter. Participar da vida não basta. Temos que escolher entre o joio e o trigo.

Não adianta só botar a jangada no mar. É preciso remar, pescar e sonhar. Se o erro não te ensinou, é porque você não entendeu a toada. A pedagogia dos pés é amar a terra. A didática dos olhos é decifrar a força do beijo no desenho dos lábios.

A água da chuva, que jorra no canto da bica, é o canto que inflamar a saudade no peito de quem partiu.

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