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Cronicando o Piauí: Velha desculpa

Era aniversário da comadre Zenaide. A residência dela ficava à testa do Terminal Rodoviário, que havia saído da Praça Saraiva para próximo da antiga Cepisa(Centrais Elétricas do Piauí). Onde hoje funciona a Strans(Secretaria de Trânsito).

Eu e o Olímpio estávamos fazendo o cursinho do professor Sena, para prestar o concurso do Banco do Brasil. Ficava a um quarteirão da Praça do Liceu. Na hora do intervalo, íamos para lá pegar a cruviana.
Era uma sexta-feira… O papai, a mamãe e a tia Betinha foram convidados para festa da comadre Zenaide. Eram amigos à décadas. Era viúva. Uma tagarela. Charmosa. De roupas finas. Bom gosto. Elegante. De perfumes caros e raros. Era abastada. O esposo a havia deixado em bons lençóis. Em uma casa luxuosa com vários cômodos e bem servida de empregados. Bebia a balde e fumava que nem uma caipora. Era gorda e suava com facilidade. Suculenta. Portava leques belíssimos. Não os relaxa à mão. Quando gargalhava, rasgava os peitos.

Acertamos, que, eu e o Olímpio, iríamos direto do cursinho. Inventei uma desculpa para Carmelita(era o inventário do meu coração. Hoje não sei por onde andas. Era linda!), pois era dia de namoro: beijos, afagos, planos e promessas para uma vida inteira a dois. Irresponsavelmente, caí na gandaia. Não assistimos a última aula, que era de Matemática Financeira. Descemos pro fuá… loucos para tomar uma gelada. Quando chegamos já encontramos a velha-guarda em peso. A debutante era farta. Quando chegamos, mandou nos servir e o garçom nos encheu de picanha gorda. Estávamos na segunda ou terceira cerveja, quando chega o Oton Filho. Na época, estava trabalhando na Cervejaria Cerpa, que estava se instalando em Teresina.
– Rapaz, vocês são covardes! Não havíamos combinado de vim juntos!?

Tentamos nos desculpar, mas não engoliu nossos argumentos. Não poderíamos perdê-lo. Era nosso provedor na orgia.
Relaxamos, a pendenga se dissipou e deu lugar às gaitadas. Lá pelas tantas, o Oton Filho arranjou uma namorada. Beleza. Ela chamou as amigas para nossa mesa e ficamos no lazer. Bebemos, dançamos e flertamos. Mas, para nós, os gajos, ficamos só e somente na paquera.
– Vamos embora?
Entreolhamos-nos e, sem titubear, respondeu:
– Vamos ficar mais um pouco!
Disse o Oton, que era o mais velho e já tinha independência financeira.
– Pois nós já vamos! Cuidado, não bebam muito!

Partiram e nós ficamos. Agora, sem o crivo dos olhares dos genitores. Já não havia mais ninguém para nos aferir. Estávamos a pé. Mas, não havia preocupação… Estávamos na tutela do nosso protetor e provedor financeiro.
Eu e o Olímpio chegamos solteiros e nos despedimos assim como chegamos. Os pombinos estavam em pleno carnaval. Confetes e serpentinas. Aos beijos e abraços…
– Vamos embora!!!
Ele pulou bem acolá:
– Quem vei só vai só!

Já estava muito tarde. Acabara de nos pagar com a mesma moeda. Relegados ao desprezo. Aviltados. Órfãs. Também, não nos deu grana para pagar o táxi. Botamos a viola dentro do saco e saímos cortando as ruas por dentro até o Cristo Rei. No meio do caminho, à altura da Picarra, pegamos um torró. Chuva até umas horas. Chegamos ensopados. Ainda bem, que botamos os cadernos dentro do carro da mamãe.
Dormi na casa da tia Betinha. Assim, havíamos combinado.

– Tem alguém batendo na porta!!!
O dia estava amanhecendo. Clareando.
– Quem será!?

Era o nosso “desafeto”. Todo molhado, sem camisa e de pés descalços. Mas ele não tem a chave!? O que houve?
O pupilo e a princesa saíram da casa da comadre Zenaide e foram namorar nas esquinas. No “escurinho do cinema”. Debaixo das árvores. Estavam aos beijos, aos afagos e aos amassos, quando chega uma galerinha do mal. Levaram camisa, tênis e bolsa com o dinheiro e os documentos. Deram umas taponas no pé-do-ouvido dele e mandaram os dois saír correndo sem olhar para trás. Voados.

Chegou descabelado e aflito… Com os olhos arregalados. Do instante, em que os fedelhos, atiçaram-lhes a correr, nunca mais pararam. Apartaram-se sem se dar conta. O medo os cegou. Abandonaram-se.
– Rapaz, os caras pegaram nós dois e…

Depois, de passado o susto, a calmarem-se os nervos, começamos a sorrir e ele pegou “ar”. Passamos o resto da noite curtindo da cara dele. E aí, ficamos repetindo por vários dias e semanas a frase homérica:
“- Quem veio só, vai só!!!”

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