A crônica é um dos textos que mais se aproxima do leitor, e que mais evidencia os pormenores de um escritor. De certa forma, é nela que entrevemos a face do autor. Outrora ligada a assuntos de interesse público, tendo como lugar privilegiado páginas do jornal (ainda a encontramos lá, é claro), com o tempo foi se diversificando. Não é incomum identificá-la com o humor, o que de maneira alguma significa que toda crônica deve objetivar o riso. Nada contra, mas nem só de graça viverá a crônica. O dia a dia permanece como seu principal campo de atuação ou laboratório.
A brevidade da crônica tem se refletido ou resultado frequentemente em textos de três, duas, uma página, menos até. Que a sua pequena extensão não leve o leitor a conferir pouco importância a ela, afinal, nomes como Rubem Braga e Fernando Sabino comprovam que o gênero pode impor-se entre as mais altas criações literárias. Seus temas são os mais variados possíveis, como a exibição de um filme, conforme o faz Luís Henrique Pellanda em “Matar ou não matar”, ou uma reflexão sobre as imposições da vida em “Eu sei, mas não devia”, de Marina Colasanti.
Depois dessa rápida introdução ao assunto, e espero não ter sido prolixo, me disponho a tratar da obra O Vestido, de Ananda Sampaio. E inicio com um comentário de Cineas Santos, contido na orelha do livro: “Percebi que, em meio aquela prosa cheia de nuanças e sutilezas, havia muita poesia entranhada e um enorme desejo de comunicar-se com o mundo”. A prosa de Ananda está pontilhada dessa poesia, como bem observou Cineas. Quanto ao “desejo de comunicar-se”, isso fica evidente na clareza da escrita, na escolha pela simplicidade e por não optar por fazer rodeios.
As crônicas reunidas no volume, em boa parte lidam com memórias e os sentimentos trazidos à tona por elas, com o cotidiano e suas sutilezas, lutas diárias etc. As miudezas são coletadas para formar o mosaico de crônicas que compõem o livro, voltando o olhar para o transporte público, o mercado, casas, dentre outras coisas. É a voz de quem se sensibiliza com a vida, de quem está disposto a olhar de perto. Nesse percurso, algumas menções são feitas, dentre as quais Clarice Lispector e Lygia Fagundes Telles. Como é possível identificar durante a leitura da obra de Ananda, o tempo é uma questão importante, como atesta a passagem abaixo, da crônica “O tempo também é meu”:
“A gente acumula e perde tempo. A vida é repleta de equações contraditórias. Deixa eu explicar melhor. Quando vamos ficando velhos, percebemos que o tempo não se alonga tanto quanto antes. Se antes passávamos horas conversando e comendo seriguela na casa das primas e tínhamos que usar de criatividade para preencher o tempo que se estendia como um tapete vermelho a nossa frente, hoje utilizamos o tempo minguado do almoço para ir à casa da avó ou dos pais. E, numa refeição apressada, tentamos atualizar a vida e reduzir a distância que se forma quando o desencontro é comprido.”
Com informações de: Ananda Sampaio
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