Aproxima-se o dia 08 de março, momento dedicado a luta das mulheres. Nessa oportunidade procura-se refletir sobre a atuação de várias mulheres negras escravizadas, em particular salientar a luta empreendida por Maria Preta no quilombo que recebeu seu nome na região do Araripe piauiense, precisamente na zona rural de Simões-PI que dista aproximadamente 26 quilômetros da sede do município.
O texto Quilombo e cultura no Araripe: Ação de luta de Maria Preta busca mostrar a trajetória e a luta de Maria Preta mobilizada por meio de sua prática cultural a partir de seu corpo para romper com a ordem vigente e, assim instituir o feminino negro como poder de transformação. Nesse sentido, procura-se problematizar e questionar a espacialidade do Araripe como signo do “cabra macho”. Efetivamente, a luta empreendida por essa mulher instaurou essa espacialidade pelo viés do feminino.
Em “Obras completas”, o historiador Monsenhor Chaves afirma que historicamente, a chegada dos portugueses na região do Araripe representou o início da colonização. A Coroa Portuguesa encontrou, na referida localidade, a presença das nações indígenas: Urirês, Moatans, Icós, Janduins, e Ubatês, na Serra do Araripe. De origem Tupi, a Serra do Araripe era o “Lugar das Araras”, daí a razão de ter recebido essa denominação.
Conhecer o território do Araripe é necessário para compreender a luta de Maria Preta. Essa região está localizada no coração do Nordeste e abrange uma área de 1.063.000 hectares, sendo 47% no estado do Ceará (15 municípios): Missão Velha, Abaiara, Brejo Santo, Porteira, Jardim, Jati, Penaforte, Barbalha, Crato, Nova Olinda, Santana do Cariri, Araripe, Potengi, Campos Sales e Salitre; 36% no estado de Pernambuco (12 municípios): Araripina, Trindade, Ouricuri, Ipubi, Exu, Santa Cruz, Bodocó, Cedro, Moreilândia, Granito, Serrita, Terra Nova; e 17% no estado do Piauí (11 municípios): Belém, Caldeirão Grande do Piauí, Caridade do Piauí, Curral Novo do Piauí, Francisco Macedo, Fronteiras, Jaicós, Marcolândia, Padre Marcos, Pio IX e Simões (ICMBio – APA / Chapada do Araripe).
A discussão sobre território constitui-se um elemento cultural importante da ação de luta de Maria Preta no Araripe, especialmente na localidade, onde ela lutou para que atualmente sua memória seja lembrada por muitas gerações. A noção de territorialidade é tida também como um espaço instaurado, com seus limites e delimitações, por meio de relações de poder.
Nessa perspectiva de análise, cabe enfatizar que o território é uma espacialidade construída pelas ações de mulheres e homens em luta, local onde ocorre todas as relações. Os habitantes são imprescindíveis em um território sem eles o lugar se torna sem expressão, configura tão somente como algo inerte a organizar e a integrar numa estratégia. O local imprescindível de luta e poder negro são os quilombos. Com efeito, entende-se quilombos como um campo de construção cultural, de vida social e onde se entrecruzam, no tempo plural do cotidiano. Nesse aspecto, compreende os quilombos como territorialidade que antes de tudo são construídas na ação de mulheres e homens que envolve apreensão, identidade, domínio, pertencimento, demarcação, separação. Essas são características pertinentes para emersão dos modos e sentidos do princípio da territorialidade.
A luta de Maria Preta tornou-se significativa, e é referência para mulheres negras no Brasil, acredita-se que conhecer sua história possibilitará instituir pela “memória ancoradas em corpos negros” seu registro como lutadora, ao lado de Esperança Garcia, Dandara, Aqualtune, entre outras.
Embora a “história oficial” da região do Araripe oculte a participação feminina, no entanto, desde o início do século XIX, tem-se em conta a existência da Fazenda Maria Preta. Maria Preta (Simões-PI), mulher, negra escravizada que, depois de ser açoitada pelo seu senhor, resolveu fugir provavelmente em direção a um quilombo, mas em determinado lugar sentou-se numa pedra e por um longo tempo permaneceu ali sem se alimentar, entrando num estado de tristeza profunda que resultou em sua morte. A trajetória dessa mulher do Araripe foi marcante, porque o nome de Maria Preta foi dado ao local onde ela morreu – hoje povoado de Simões, essas informações entre outras encontram-se no meu livro “Mulheres do Araripe: trajetória de lutas e representatividade política (1982-2004)”.
Outra versão para a história de Maria Preta se apresenta na obra “Fragmentos Históricos Simões” do memorialista José Avelar Dantas. Para ele, a negra escravizada Maria Preta pertencia a senzala de Florentino Bartolomeu (seu Flor do Caititu), “e tendo vindo para o serviço doméstico destas residências, ficou a disposição de sua patroa quando, em determinado dia, sentiu-se aborrecida com tantas ordens e acúmulo de serviços que lhe levara a ser uma escrava hábil e bem mandada de sua patroa. Resolveu fugir sem destino e desiludida da vida, andou poucos metros em direção da fazenda Caititu, e logo se sentou em uma pedra, ficou a pensar no que podia fazer. Quando a patroa sentiu sua ausência, seguiu pelas pegadas de seus pés, quando ao longe avistou sentada em uma pedra e gritou:
– Maria Preta o que faz aí?
Ela responde:
– “êsi é o mió lugar dy ficá puquê ninguém zanga cum eu”. Maria voltou para casa, […] mas o lugar onde foi encontrada, pegou seu nome, nem o primitivo casarão com suas tradições e riquezas manteve o título do lugar, mas a fuga da velha escrava trouxe o nome que todos escolheram para batizar o lugar, […] (p. 58).
Conclui-se que o exemplo de Maria Preta mostrou a “bravura” de uma das mulheres negras escravizadas na região do Araripe. O comportamento dela demonstrou que o feminino no sertão nordestino, em particular no Araripe, rompeu de certa forma com o silêncio e a invisibilidade.
Texto de: Maria José Carvalho, Mestra em História Social – PUC/SP, Profª História SEDUC-PI e Centro de Educação Aberta e a Distância – CEAD-UFPI