A perda é uma falta mal temperada: sem corante, sem azeite, sem cheiro-verde, salgada, sem alho, sem cordialidade, sem meiguice, ácida, sem afeto, sem carícia, sem afago, amarga.
O perder é rústico, covarde, grosseiro, injusto.
É o corte cego de uma navalha velha.
Não temos como mensurá-la.
Quando dizemos que perdemos, dizemos nos faltar alguma parte, que nos levaram um bom pedaço, que nos deixaram sem norte, que nos roubaram a sorte, que nos entregaram à morte.
Na perda não há arte!
Há sempre uma voz rouca e clandestina, que não sabemos de onde surge, em qual esquina se esconde, por qual labirinto se equilibra.
Dizendo-nos que não houve uma perda, mas, de certa forma, um salto.
Esse tubo de linha zero passado no cerol (goma, cola e pó de vidro) tem seu percurso, percalço, ladeira íngreme, curva perigosa, ponte estreita.
Há momentos em que andamos em reta linha. Noutros, seguimos em espiral. Noutros somos paragem: parada para embarque e desembarque.
Ainda há os que recebem e dão pêsames, parabéns, esmolas… Embora sabendo que somos cidadãos do Céu, passamos uma vida carregando nas costas as nossas dores.
Como somos peregrinos desta nave estrelada, a girar sob o Céu, jamais haverá ganho.
Pois ao nascer, já perdemos.