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Cronicando o Piauí: Papai, o portuga e o delegado

Era a década de 1950. Maria do Vale Sampaio, minha bisavó. Mãe de meu pai-avô. Sua casa ficava testa com a loja do Sigê Variedades. Aquele quarteirão, onde ficava, a antiga Casa Mater, hoje o HUT, era de propriedade dela. Todos os dias, ele tirava o leite das vacas, e mandava um filhos ou um sobrinho ou Pinga-na-fulô(agregado), ir deixar para ela. Nos finais de semana, ele mesmo ia levar.

Naquela época, havia um português que era fiscal da prefeitura. Todo mundo, que chegava com leite, ele tomava para verificar se tinha água. Era um homem de braços e costas peludos, grande, forte e sarará. De bigode farto. As verdureiras das bancas tinham ódio dele. Por ele fazer isso com os pobres dos leiteiros. Na realidade, era mal visto por todo mercado. Ninguém gostava dele. Vivia de persegui as pessoas.

Um belo domingo, pela manhã, o papai vai com o Chico, meu irmão, levar o leite. Ele, como tinha os passos longos, o Chico ficava sempre um pouco atrás. Vez por outra, ele dava uma corridinha para acompanhá-lo. Vão chegando na esquina para dobra na rua da casa vovó, quando o Chico grita:

“Papai, o home tá me tomando a garrafa com o leite da vovó!”

Ele se vira e ver o portuga tentando tirar a garrafa das mãos do menino.

“O que é isso aí?”

O sarará se vira e diz:

“Sou o fiscal da prefeitura e tenho que verificar todo leite que passar por aqui!”

As verdureiras começaram a grita:

“Aí é o Sampaião! Agora tu achou o sapato pro teu pé!”

Ele sem querer soltar o garrafa.

“Rapaz, vou levando esse leite pra minha mãe! Tu acha que vou botar água no leite da minha mãe!?”

Desceu a mão nos olhos do portuga que os óculos foram cair lá por cima das bancas. O saiu dando nele e ele caindo por cima das bancas. Quanto mais dava, mais as mulheres ovacionavam:

“Aí é o Sampaião da Piçarra!!!”

E a taca comendo.

“Dá nele, Sampaião!”

(Meu pai media 1,96 de estatura só de músculos)

O certo é que o fiscal ficou todo arrebentado. Todo moído. Mas a peleja estava só começando. O papai foi denunciado ao delegado-geral. Que, à época, era um tal de Alencar (chamavam-no Alecarzim). E este não se cheirava muito bem com o Papai.

O general Gayoso era o governador. O papai foi intimado. Aí foi à Delegacia-Central. Lá, foi outra confusão. Ele, que já não gostava do Alencarzim, que veio com gaiatice. Tacou a mão nos olhos dele, também, dentro da delegacia. Como os dois eram delegados, os policiais ficaram só no aqueta a aqueta. E a situação foi só complicando pro papai. A mamãe, preocupada, manda um recado para o general, escondido, porque o papai não queria envolvê-lo na pendenga. Vai lá em casa no dia do plantão. E ela conta tudo. Coitada, já com medo do papai matar o delegado-geral.

Uma noite, como quem não está à par do assunto, chega para conversar. Sempre ia lá e passava horas e horas conversando os dois. Eles gostavam de prosear na cozinha (era um hábito dos homens daquela época). Eles tinham disso.

Rondou, sondou, até chegar no assunto (nas campanhas políticas, quem fazia a segurança do general, era o papai, o Duzento – franzino e gostava mais de faca do que de arma de fogo -, e o Antoim José – um negro entroncado, torado no grosso, de braços roliços e cego de um olho, porém, bom de tiro). Todos três policiais.

“Sampaião, não vá mais lá! Deixe que vou resolver!”

Em relação ao general Gaioso, tem umas passagens interessantes. Ele foi apresentado ao papai pelo vovô João Miguel, pai da mãe Lourdinha, morava São Miguel do Tapuio. Depois que os apresentou, nunca mais se afastaram. Tudo do general era com o papai pelo meio. Tornaram-se amigos do peito.

Essa interessante: Na casa, dos pais dele, tinham duas cadeiras de balanço, que havia mandado fazer. Moravam na Nova Olinda, onde ficava a fazenda e o engenho. Não estou bem certo, mas parece, que uma era de pau-d’arco e a outra de imburana. Uma leve e a outro um chumbo de pesada.

As pessoas da redondeza, quando sabiam que ele estava por lá, iam visitá-lo. Geralmente, ficavam por lá o dia inteiro. Almoçavam e ficavam para o jantar. Não deixava irem embora antes da janta. Passava o dia proseando com caboclada. O papai dizia que gostava dos vaqueiros, dos pescadores e dos caçadores, pois adorava os ouvir mentir. Por ele, passava o dia e a noite se deleitando. Quando chegava a tarde, convidava os mentirosos para prosear no terreiro. Pegava sua cadeira, que era maneira, e deixava o pobre do caboclo sofrendo para levantar a outra pesadíssima. “Ora, o coronézim levantou a dele, porque não consigo arribar a minha!?”

Enquanto ele estava morrendo, o general ficava morrendo ri lá fora.

Onde dia desses fui à Buriti dos Montes, e paramos na Nova Olinda. Ainda hoje, estão lá o que sobrou das máquinas do engenho. Vieram, à época, através de navios da Europa até Fortaleza. De lá, vieram em carros de boi. 30, 40, 60 dias por dentro do mato. Não havia estrada. Sol, inverno, atoleiro e frio. Eram peças enormes. O gado que puxava os carros sofriam demais.

Acalmaram-se os nervos, mas nunca se cheiraram. Morreram inimigos. Certo é que o papai deu nos dois. E o portuga, com vergonha e sem moral, nunca mais apareceu para derramar leite e nem humilhar as pessoas pobres que iam defender o pão de cada dia.

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