O aboio/andante “Ah-hei… Ah-hei…” da toada “Vida do Viajante” de Luiz Gonzaga, Sanfoneiro do Araripe mostra quanto o repertório estético gonzagueano reverberou no Brasil e no mundo a fora. É significativo a participação do “Rei do Baião” na música popular brasileira, de modo que seu cancioneiro tornou-se presente na cultura acústica brasileira. Luiz Gonzaga do Nascimento, o “Lua”, construiu sua trajetória artística nas temáticas sobre Nordeste: seca, sertão, baião, saudade, vaqueiro, aboio, entre outros temas. Trouxe em seu matolão um conjunto de ritmos, alguns deles oriundos da paisagem sonora do Araripe, a exemplo do baião – gênero re-inventado e estilizado por ele e Humberto Teixeira. Eles foram os responsáveis pela urbanização e divulgação nacional do baião, ritmo musical que representou sonoricamente a territorialidade nordestina.
Gonzaga nasceu na fazenda Caiçara – pertencente à família Alencar – no dia 13 de dezembro de 1912, no município de Exu – PE (Serra do Araripe). Todos de sua família moravam na referida fazenda, quase no sopé da serra. Esta terra era propriedade do Barão do Exu – grande latifundiário –, dono de vasta área que se estendia para além da serra.
Januário e Santana tiveram nove filhos: Luiz Gonzaga – o segundo filho dos nove –, Joca, Geni (Efigênia), Severino, José, Raimunda (Muniz), Francisca, Socorro e Aloísio. Quando menino, Luiz Gonzaga apaixonou-se pelo instrumento de oito baixos do pai, a quem ajudava na animação de festas religiosas e forrós. Sua interação com o meio artístico o levou a aprender a tocar zabumba e cantar os benditos das novenas. No choro instrumental de Luiz Gonzaga “Arrancando Caruá”, (1941) e “Provocando as Cordas” (1945, autoria de José Miranda Pinto-Coruja) mostrou, pela sonoridade de sua sanfona, a lida dos trabalhadores rurais na produção de cordas de caroás. Luiz descreveu como eles viviam ali no seu Pé de Serra: “Vivíamos nas feiras, vendendo cordas de caroá” (Jornal O Globo, RJ 08/08/1972). Neste mesmo jornal, Gonzaga relatou que andou oitenta quilômetros até chegar ao Crato-CE na perspectiva de servir o Exército. Nessa cidade vendeu sua sanfona por oitenta mil réis.
Como soldado do Exército brasileiro, Gonzaga recebeu o apelido de “corneteiro bico de aço”. As andanças por algumas cidades e estados brasileiros: Sousa -PB, Teresina-PI, Belém-PA, Macapá-AP, Minas Gerais e Mato Grosso, colaboraram para a construção estética de sua musicalidade. Luiz Gonzaga, sanfoneiro andante, relatou que teve contatos pelo rádio, com as músicas brasileiras, estrangeiras e especialmente com a música nordestina, no depoimento ele explicou: “[…] de formas quando eu já estava no sul de Minas como militar, eu comecei a ouvir pelo rádio Antenório e Silva e achei aquilo maravilhoso. Eu fui encantado com o som daquela sanfona. Ah! Que coisa linda, depois ouvi Zé do
Norte cantando coisa do Norte, aí meu coração foi abrindo para esse gênero, porque andava tocando por ali em companhia de companheiros. Eram músicas importadas, valsas vianenses, tango argentino, bolero. Eu assassinava esse povo todo. Mas quando ouvia Antenório e Silva, Zé do Norte e Augusto Calheiro, então digo meu caminho é esse” (Museu da Imagem e do Som do RJ, 06/09/1968, fita,18.1).
Em 1939, depois de dar baixa no Exército, Gonzaga seguiu para o Rio de Janeiro. Na época com 27 anos, chegou na então Capital Federal com toda a pujança para desbravar a cidade grande – como expressou no maracatu “Pau de Arara” (1952, Luiz Gonzaga e Guio de Morais) e no “Baião de São Sebastião” (1973, Humberto Teixeira). A primeira apresentação do artista foi num cabaré da Rua Mem de Sá – o Tabu –, que tocava valsas vienenses, polcas, rancheiras, mazurcas, foxtrote, sambas e outros ritmos de tradição europeia. Porém, sua virada musical aconteceu quando um grupo de universitários cearenses que estudavam no Distrito Federal desafiou Gonzaga a tocar aquelas “coisas lá do Norte”. Então, o sanfoneiro topou o desafio e, uma semana depois, tocou dois xamegos instrumentais de 1941: “Pé de serra” e “Vira e mexe”.
A trajetória artística do sanfoneiro andante foi construída, dessa maneira, na escuta dos oito baixos de Januário, no convívio familiar, nas andanças pelo Brasil como soldado do Exército, na execução de músicas estrangeiras, bem como pelos ritmos e temáticas relacionados à cultura acústica nordestina.
Autor: Jonas Rodrigues de Moraes, Doutor e Mestre em História Social pela PUC/SP e Professor do Curso de Licenciatura em Humanas/História – CCHNST- UFMA / Pinheiro.